segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

HOMOSSEXUALIDADE NA HISTÓRIA





Para um bom entendimento da história da homossexualidade é necessário uma analise crítica das mais diversas culturas, pois as formas com que as sociedades reagem a estas questões ou mesmo como a homossexualidade se apresenta variam entre as diversas culturas.


Segundo Aranha & Martins (2000) a palavra cultura possui vários significados, podendo ser entendida, de um ponto de vista antropológico, como as práticas, as teorias, as instituições, os valores materiais e espirituais e tudo que o homem produz ao construir a sua existência.
Assim, os relatos mais antigos sobre a homossexualidade existente na história de contrução das sociedades ocidentais consta no livro de Gênesis, cap 18 e 19 da Bíblia, onde a cidade de Sodoma foi destruída em decorrência do alto grau de promiscuidade em que vivia a sua população, tendo como característica fundamental o conflito entre Ló e alguns homens que buscavam ter relações sexuais com os anjos enviados por Deus. Mesmo havendo questionamentos sobre a veracidade desses fatos, pode-se perceber que as sociedades hebraicas já convivam com a idéia de homossexualidade.
Outra fase da história que possibilita compreender a homossexualidade através do processo histórico foi o apogeu das civilizações gregas onde se encontra a prática pederasta como algo normatizado. Segundo Bremmer (1991) na Grécia antiga ocorria o que se denomina pederastia, que consiste em uma relação entre homens adultos e jovens ou adolescentes, em que o homem mais velho iniciava o homem mais novo na vida sexual. Nessa experiência ele dava armaduras e outros objetos, que os gregos valorizavam, para um homem. Essa iniciação acontecia através de um rapto. Nele, os amigos daquele iniciado auxiliavam o pederasta naquilo que resultaria um ato sexual, com complacências passivas. Na Grécia, os rapazes que não eram raptados e, portanto não possuíam uma iniciação por um pederasta eram considerados pobres coitados, vítimas dessa desgraça - a de não possuir um amante e assim não passar por um ritual de iniciação. A contrapartida mítica desses rapazes é Ganimedes, filho de um rei troiano, raptado por Zeus para tornar-se seu copeiro e seu amado (BREMMER, 1991). Assim, com esse registro observa-se que no contexto da Grécia Antiga era vergonhoso não possuir um amante mais velho do mesmo sexo.
Em algumas cidades como Esparta, a pederastia era regulamentada por lei que punia aqueles que não escolhiam um rapaz para ser seu amado. Bremmer também relata que em alguns vasos, que circulavam nos banquetes aristocráticos era possível ver cenas pederastas. No período grego arcaico, também ocorriam em algumas regiões da Grécia, relações entre mulheres mais velhas e garotas, similares às relações pederásticas masculinas. Existem vasos da ilha grega de Thera que retratam duas mulheres fazendo gestos convidativos uma a outra (LARDINOIS, 1991). Portanto, esse tipo de relação simbolizava uma passagem importante na vida sexual e social dessas pessoas que estavam sendo iniciadas, seja homem ou mulher.
A homossexualidade feminina também pode ser analisada a partir da história do próprio surgimento do termo lesbianismo que é explicado por Lardinois (1995) quando diz que a origem da palavra lésbica pode possuir ligação com a ilha de Lesbos, onde a poetiza Safo, por volta de 600 a.C., escrevia cartas e canções que continham descrições das belezas de garotas. Não há traços de amor físico em suas poesias, porém estas apresentam fragmentos que possibilitam a compreensão de que ela possuía atração física por mulheres. Inicialmente a palavra lésbica era utilizada para as mulheres que moravam em Lesbos. A partir do período Clássico conotações eróticas passaram a ser associadas a ela. É provável que a poesia de Safo tenha contribuído para tal mudança. O desenvolvimento dessa palavra pode servir como evidência para as reações à poesia de Safo. Sua poesia foi comparada com a de pederastas da Antiguidade.
O termo homossexualidade foi cunhado em 1869 pelo jornalista e advogado húngaro Karol Maria Kertbeny, após a criação, em 1862, do termo Uranismo – em referência ao discurso de Pusânias no Banquete de Platão – pelo jurista alemão Karl Heirnrich Ulrichs. Os dois autores entendiam a homossexualidade como “uma condição inata, que se manifestava através de impulsos e desejos” (Nunan,2003). A nova concepção trazida por estes autores e seus conceitos se colocava em oposição à idéia de “invertido” como nos demonstra o seguinte trecho:
 No século XVIII e até meados do século XIX, o termo correto para designar homossexuais era a palavra invertido, termo que sugeria que todo homossexual era ‘feminino’ e conseqüente portador de alguma inversão sexual. (Nunan, 2003)
A definição de homossexualidade é algo que pode envolver muitos conflitos e questionamentos sobre a abrangência que o termo deve obter, porém dentre as várias definições possíveis como as apresentadas por Fernadez-Martos e Vidal, quando estes visando esclarecer as concepções existentes sobre a homossexualidade se utilizam das seguintes definições:
...duas definições que acreditamos se completam mutuamente. A primeira é de Julio Marmor Denniston e diz: (homossexual) ‘é aquele que em sua vida adulta se sente motivado por uma atração erótica definida e preferencial por pessoas do mesmo sexo e que, de modo habitual, embora não necessário tem relações sexuais com eles’. (...) A segunda se fixa nos aspetos antropológicos (...) ‘Por homossexualidade entendemos a condição humana de um ser pessoa que a nível da sexualidade, caracteriza-se pela peculiaridade da sentir-se constitutivamente instalado na forma de expressão exclusiva com um parceiro do mesmo sexo’.”(Martos & Vidal, 1998)
No Império romano, segundo Veyne (1995), o comportamento homossexual era reprovado de modo similar à reprovação das cortesãs e das ligações extraconjugais, quando se tratava de homossexualidade ativa. Sua obra relata ainda que era inocente penetrar um escravo, entretanto era monstruoso da parte de um cidadão ser penetrado por um escravo. Após a queda do império romano e a entrada da sociedade na fase conhecida como Idade Média, há uma restrição das produções históricas, pois a maior parte da população não sabia ler ou escrever.
Com o desenvolvimento da civilização européia muita coisa mudou no cenário mundial, um dos fatos mais relevantes foram as expansões marítimas, que ampliaram o campo de dominação da cultura ocidental, por meio de um processo de colonização donde surgiram novas nações dentre elas o Brasil. O Brasil foi descoberto no ano de 1500 por exploradores portugueses e conviveu com um processo escravocrata durante um grande período de muitos relatos, que permite perceber a existência da homossexualidade. Moura (2004) afirma que os “senhores de valia ”, donos de escravos que possuíam “importância” na sociedade eram fortemente punidos ao serem denunciados por praticarem a “sodomia ”, pois esse era considerado um crime mais grave do que a bigamia ou adultério. Em contrapartida, os escravos negros na mesma situação não sofriam tais conseqüências por serem considerados mercadorias.
Através do relato apresentado podemos dizer que o Brasil convive com a homossexualidade há muito tempo. Entretanto, as relações entre homossexuais e heterossexuais são conflituosas até hoje, a ponto de existirem organizações em defesa de direitos para os homossexuais.

A CONSTRUÇÃO DO PAPEL DO HOMOSSEXUAL A PARTIR DA RELAÇÃO DE PODER ENTRE OS GÊNEROS
Para se entender melhor a construção de papéis atrelados ao homossexual foi necessário buscar compreender as relações de poder entre os gêneros masculinos e femininos.
A contrução do gênero é algo que se inicia antes mesmo do nascimento de uma pessoa, quando, por exemplo, lhe é dado um nome e são criadas expectativas em relação ao seu comportamento. Assim, criação da idéia de gênero, que possibilita a diferenciação entre masculino e feminino pode ser um elemento importante na diferenciação de tratamento entre os sexos.
Algumas autoras feministas como a historiadora Joan Scott (apud FONSECA, 1996) consideram o gênero como “forma primária de dar significado às relações de poder”, revelando - se como elemento constitutivo das relações sociais. Sua posição diante da construção de gênero dialoga com a de Heilborn (apud FONSECA, 1996) que considera que a categoria de gênero aponta para uma forma simbólica de hierarquizar e ordenar o universo em termos de um princípio de valor.
Os valores atribuídos ao gênero podem não ser atribuídos ao sexo do indivíduo. No decorrer da história existem fatos que apontam as relações sociais de pessoas que, independentes da orientação sexual, se identificavam com o gênero oposto ao que a maioria das pessoas de sua anatomia. Grémaux (1995) afirma que, desde a metade do séc XIX até o início do séc XX, algumas mulheres eram consideradas masculinizadas na comunidade dos Bálcãs por se vestirem e realizarem trabalhos atribuídos aos homens. Essas mulheres eram reconhecidas publicamente como homens. Entretanto, muitas delas não possuíam relações amorosas com mulheres.
O modelo binário imposto pela construção dos gêneros acaba limitando as possibilidades que qualquer pessoa teria de expressar sua sexualidade e se relacionar com outras pessoas. Assim, a homossexualidade parece ser uma barreira na construção de papéis que se enquadram nesse modelo binário: ou se é homem ou mulher. Na homossexualidade, apesar de uma possível desconstrução de um papel característico de um gênero heterossexista, que impossibilitaria a sua relação com outra pessoa do mesmo sexo e a reconstrução de um novo papel, o gênero a qual pertence vai estar subjacente a essas questões, limitando suas possibilidades de ser, principalmente, homossexual.
Ainda hoje, o passivo sexual, seja homem ou mulher ainda é vítima de estigma social. Segundo Misse (1981) o passivo sexual apresenta-se em situação de desvantagem e inferioridade em relação ao ativo sexual, já que a mulher e o homem passivos são estigmatizados com atributos “negativos”, como pessoa que não reage, quieto, “viado”, fraco, covarde e outros. Já os atributos do ativo sexual se relacionam com pessoas que possuem iniciativas, dominador, viril, corajoso, forte e outros. Assim a identificação do “viado” é o que possui complacências passivas com outro homem. O que penetra não é considerado necessariamente homossexual já que não “trai” tanto o seu papel sexual original, sua “condição natural”. (MISSE, 1981). Assim, podemos perceber que o estigma de passivo sexual se confunde com o próprio estigma de homossexual.
Misse (1981) relata ainda que o estereótipo de passivo sexual é construído sobre a associação entre a função bissexual feminina (que o autor denominou de ‘receptor do pênis’) com um conjunto de atributos desacreditadores e outros. Entretanto, o autor relata que ‘estigma’ se relaciona mais como um papel existente do que como atributos desacreditadores.
Como citado nos parágrafos anteriores, principalmente no que tange o passivo sexual, na instituição homossexualidade existe uma série de estereótipos e crenças que são aparentemente rígidas, inflexíveis e naturalizadas. A partir dessa visão, podemos dizer que isso ocorre como se todos homossexuais devessem ter muitos papéis em comum, não sendo a relação com um outro homem ou com uma outra mulher suficiente para designar sua homossexualidade. O que determina ser ou não homossexual vai além da relação física, muito além da relação sexual. Pode-se deixar uma questão para refletir. O que é ser homossexual? É praticar relações homoeróticas ou se auto-afirmar homossexual, e assumir essa identidade?
Papéis sociais de gênero relacionam-se com o conjunto de comportamentos associados à masculinidade e feminilidade. Desta maneira, a idéia da homossexualidade refere-se não apenas a uma condição, mas sim á um papel social.


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