sábado, 27 de dezembro de 2014

Uma história de amor (quase) impossível entre duas mulheres





Vamos a mais uma história de amor real entre duas mulheres contada aoBlogSoubi. Elas se conheceram no trabalho e ficaram amigas. Nenhuma delas havia se interessado alguma vez por uma mulher, então demoraram a perceber o sentimento que nascia aos poucos.

http://blogsoubi.com

Como a maioria das pessoas que descobre o sentimento por uma pessoa do mesmo sexo, elas tentaram lutar contra. “Acho que todo mundo que passou por isso sabe que não é nada fácil, lutar contra os conceitos, os preconceitos, as circunstâncias, as crenças, os valores da sociedade e toda essas perguntas”, contou uma das personagens dessa história por e-mail.
Mas elas ultrapassaram todos esses obstáculos. “Quando se ama de verdade, não existe nada que não ultrapasse as barreiras, não importa mais a idade, a cor, a embalagem que a pessoa veio e o que os outros vão dizer”, disse a mulher apaixonada.
Foi então que há um ano e cinco meses, no dia 8 de março de 2012, elas deram o primeiro beijo, seguido de um intenso e demorado abraço.
Essa relação, no entanto, não tinha espaço para crescer. Há um ano e cinco meses, elas sofrem diariamente com essa situação. Uma delas não pode se comprometer. Tem família, filhos, marido. Ela já tentou se desvencilhar, mas foi em vão. E não vamos entrar nesses detalhes em respeito à privacidade das leitoras.
A outra continua solteira e nunca mais se relacionou com ninguém, depois de ter sentido a “melhor sensação do mundo”, como ela mesma descreve no e-mail.
Elas se falam pelo celular, Facebook e, de vez em quando, se encontram. Mas evitam se envolver. Por enquanto, é um amor que está guardado, não pode se desenvolver.
É mais um dos dilemas vividos por leitoras do blog. Duas pessoas que se amam e não podem viver o amor por conta da família e dos nossos “padrões sociais” (não vou cansar de falar sobre isso). Vez ou outra, as duas trocam juras de amor nos posts do blog, mas sempre com muita discrição.
A leitora, autora do e-mail, diz que não vai desistir. “Eu poderia viver mil anos, se eu não tivesse descoberto esse amor, não teria valido a pena. Não me arrependo e me sinto uma pessoa amada, mesmo longe e com todas as barreiras”, confidencia.
Muitas pessoas poderiam dizer: “Mas por que elas não vivem logo tudo isso, em vez de ficar esperando? Aliás, o que elas estão esperando?”.
Há uma série de fatores envolvidos. O egoísmo de outras pessoas, o medo das críticas, das reprovações e a nossa tentativa de sempre tentar agradar mais aos outros do que a nós mesmos.
Apesar de tudo isso, acredito que em algum momento e, com muita coragem e esforço, todos esses amores não vividos conseguirão encontrar o melhor caminho para ser feliz. Se depender da mulher que contou essa história de amor por e-mail, pedindo que ela fosse publicada em homenagem à sua amada, acho que esse caminho poderá ser mais curto.

segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

HOMOSSEXUALIDADE NA HISTÓRIA





Para um bom entendimento da história da homossexualidade é necessário uma analise crítica das mais diversas culturas, pois as formas com que as sociedades reagem a estas questões ou mesmo como a homossexualidade se apresenta variam entre as diversas culturas.


Segundo Aranha & Martins (2000) a palavra cultura possui vários significados, podendo ser entendida, de um ponto de vista antropológico, como as práticas, as teorias, as instituições, os valores materiais e espirituais e tudo que o homem produz ao construir a sua existência.
Assim, os relatos mais antigos sobre a homossexualidade existente na história de contrução das sociedades ocidentais consta no livro de Gênesis, cap 18 e 19 da Bíblia, onde a cidade de Sodoma foi destruída em decorrência do alto grau de promiscuidade em que vivia a sua população, tendo como característica fundamental o conflito entre Ló e alguns homens que buscavam ter relações sexuais com os anjos enviados por Deus. Mesmo havendo questionamentos sobre a veracidade desses fatos, pode-se perceber que as sociedades hebraicas já convivam com a idéia de homossexualidade.
Outra fase da história que possibilita compreender a homossexualidade através do processo histórico foi o apogeu das civilizações gregas onde se encontra a prática pederasta como algo normatizado. Segundo Bremmer (1991) na Grécia antiga ocorria o que se denomina pederastia, que consiste em uma relação entre homens adultos e jovens ou adolescentes, em que o homem mais velho iniciava o homem mais novo na vida sexual. Nessa experiência ele dava armaduras e outros objetos, que os gregos valorizavam, para um homem. Essa iniciação acontecia através de um rapto. Nele, os amigos daquele iniciado auxiliavam o pederasta naquilo que resultaria um ato sexual, com complacências passivas. Na Grécia, os rapazes que não eram raptados e, portanto não possuíam uma iniciação por um pederasta eram considerados pobres coitados, vítimas dessa desgraça - a de não possuir um amante e assim não passar por um ritual de iniciação. A contrapartida mítica desses rapazes é Ganimedes, filho de um rei troiano, raptado por Zeus para tornar-se seu copeiro e seu amado (BREMMER, 1991). Assim, com esse registro observa-se que no contexto da Grécia Antiga era vergonhoso não possuir um amante mais velho do mesmo sexo.
Em algumas cidades como Esparta, a pederastia era regulamentada por lei que punia aqueles que não escolhiam um rapaz para ser seu amado. Bremmer também relata que em alguns vasos, que circulavam nos banquetes aristocráticos era possível ver cenas pederastas. No período grego arcaico, também ocorriam em algumas regiões da Grécia, relações entre mulheres mais velhas e garotas, similares às relações pederásticas masculinas. Existem vasos da ilha grega de Thera que retratam duas mulheres fazendo gestos convidativos uma a outra (LARDINOIS, 1991). Portanto, esse tipo de relação simbolizava uma passagem importante na vida sexual e social dessas pessoas que estavam sendo iniciadas, seja homem ou mulher.
A homossexualidade feminina também pode ser analisada a partir da história do próprio surgimento do termo lesbianismo que é explicado por Lardinois (1995) quando diz que a origem da palavra lésbica pode possuir ligação com a ilha de Lesbos, onde a poetiza Safo, por volta de 600 a.C., escrevia cartas e canções que continham descrições das belezas de garotas. Não há traços de amor físico em suas poesias, porém estas apresentam fragmentos que possibilitam a compreensão de que ela possuía atração física por mulheres. Inicialmente a palavra lésbica era utilizada para as mulheres que moravam em Lesbos. A partir do período Clássico conotações eróticas passaram a ser associadas a ela. É provável que a poesia de Safo tenha contribuído para tal mudança. O desenvolvimento dessa palavra pode servir como evidência para as reações à poesia de Safo. Sua poesia foi comparada com a de pederastas da Antiguidade.
O termo homossexualidade foi cunhado em 1869 pelo jornalista e advogado húngaro Karol Maria Kertbeny, após a criação, em 1862, do termo Uranismo – em referência ao discurso de Pusânias no Banquete de Platão – pelo jurista alemão Karl Heirnrich Ulrichs. Os dois autores entendiam a homossexualidade como “uma condição inata, que se manifestava através de impulsos e desejos” (Nunan,2003). A nova concepção trazida por estes autores e seus conceitos se colocava em oposição à idéia de “invertido” como nos demonstra o seguinte trecho:
 No século XVIII e até meados do século XIX, o termo correto para designar homossexuais era a palavra invertido, termo que sugeria que todo homossexual era ‘feminino’ e conseqüente portador de alguma inversão sexual. (Nunan, 2003)
A definição de homossexualidade é algo que pode envolver muitos conflitos e questionamentos sobre a abrangência que o termo deve obter, porém dentre as várias definições possíveis como as apresentadas por Fernadez-Martos e Vidal, quando estes visando esclarecer as concepções existentes sobre a homossexualidade se utilizam das seguintes definições:
...duas definições que acreditamos se completam mutuamente. A primeira é de Julio Marmor Denniston e diz: (homossexual) ‘é aquele que em sua vida adulta se sente motivado por uma atração erótica definida e preferencial por pessoas do mesmo sexo e que, de modo habitual, embora não necessário tem relações sexuais com eles’. (...) A segunda se fixa nos aspetos antropológicos (...) ‘Por homossexualidade entendemos a condição humana de um ser pessoa que a nível da sexualidade, caracteriza-se pela peculiaridade da sentir-se constitutivamente instalado na forma de expressão exclusiva com um parceiro do mesmo sexo’.”(Martos & Vidal, 1998)
No Império romano, segundo Veyne (1995), o comportamento homossexual era reprovado de modo similar à reprovação das cortesãs e das ligações extraconjugais, quando se tratava de homossexualidade ativa. Sua obra relata ainda que era inocente penetrar um escravo, entretanto era monstruoso da parte de um cidadão ser penetrado por um escravo. Após a queda do império romano e a entrada da sociedade na fase conhecida como Idade Média, há uma restrição das produções históricas, pois a maior parte da população não sabia ler ou escrever.
Com o desenvolvimento da civilização européia muita coisa mudou no cenário mundial, um dos fatos mais relevantes foram as expansões marítimas, que ampliaram o campo de dominação da cultura ocidental, por meio de um processo de colonização donde surgiram novas nações dentre elas o Brasil. O Brasil foi descoberto no ano de 1500 por exploradores portugueses e conviveu com um processo escravocrata durante um grande período de muitos relatos, que permite perceber a existência da homossexualidade. Moura (2004) afirma que os “senhores de valia ”, donos de escravos que possuíam “importância” na sociedade eram fortemente punidos ao serem denunciados por praticarem a “sodomia ”, pois esse era considerado um crime mais grave do que a bigamia ou adultério. Em contrapartida, os escravos negros na mesma situação não sofriam tais conseqüências por serem considerados mercadorias.
Através do relato apresentado podemos dizer que o Brasil convive com a homossexualidade há muito tempo. Entretanto, as relações entre homossexuais e heterossexuais são conflituosas até hoje, a ponto de existirem organizações em defesa de direitos para os homossexuais.

A CONSTRUÇÃO DO PAPEL DO HOMOSSEXUAL A PARTIR DA RELAÇÃO DE PODER ENTRE OS GÊNEROS
Para se entender melhor a construção de papéis atrelados ao homossexual foi necessário buscar compreender as relações de poder entre os gêneros masculinos e femininos.
A contrução do gênero é algo que se inicia antes mesmo do nascimento de uma pessoa, quando, por exemplo, lhe é dado um nome e são criadas expectativas em relação ao seu comportamento. Assim, criação da idéia de gênero, que possibilita a diferenciação entre masculino e feminino pode ser um elemento importante na diferenciação de tratamento entre os sexos.
Algumas autoras feministas como a historiadora Joan Scott (apud FONSECA, 1996) consideram o gênero como “forma primária de dar significado às relações de poder”, revelando - se como elemento constitutivo das relações sociais. Sua posição diante da construção de gênero dialoga com a de Heilborn (apud FONSECA, 1996) que considera que a categoria de gênero aponta para uma forma simbólica de hierarquizar e ordenar o universo em termos de um princípio de valor.
Os valores atribuídos ao gênero podem não ser atribuídos ao sexo do indivíduo. No decorrer da história existem fatos que apontam as relações sociais de pessoas que, independentes da orientação sexual, se identificavam com o gênero oposto ao que a maioria das pessoas de sua anatomia. Grémaux (1995) afirma que, desde a metade do séc XIX até o início do séc XX, algumas mulheres eram consideradas masculinizadas na comunidade dos Bálcãs por se vestirem e realizarem trabalhos atribuídos aos homens. Essas mulheres eram reconhecidas publicamente como homens. Entretanto, muitas delas não possuíam relações amorosas com mulheres.
O modelo binário imposto pela construção dos gêneros acaba limitando as possibilidades que qualquer pessoa teria de expressar sua sexualidade e se relacionar com outras pessoas. Assim, a homossexualidade parece ser uma barreira na construção de papéis que se enquadram nesse modelo binário: ou se é homem ou mulher. Na homossexualidade, apesar de uma possível desconstrução de um papel característico de um gênero heterossexista, que impossibilitaria a sua relação com outra pessoa do mesmo sexo e a reconstrução de um novo papel, o gênero a qual pertence vai estar subjacente a essas questões, limitando suas possibilidades de ser, principalmente, homossexual.
Ainda hoje, o passivo sexual, seja homem ou mulher ainda é vítima de estigma social. Segundo Misse (1981) o passivo sexual apresenta-se em situação de desvantagem e inferioridade em relação ao ativo sexual, já que a mulher e o homem passivos são estigmatizados com atributos “negativos”, como pessoa que não reage, quieto, “viado”, fraco, covarde e outros. Já os atributos do ativo sexual se relacionam com pessoas que possuem iniciativas, dominador, viril, corajoso, forte e outros. Assim a identificação do “viado” é o que possui complacências passivas com outro homem. O que penetra não é considerado necessariamente homossexual já que não “trai” tanto o seu papel sexual original, sua “condição natural”. (MISSE, 1981). Assim, podemos perceber que o estigma de passivo sexual se confunde com o próprio estigma de homossexual.
Misse (1981) relata ainda que o estereótipo de passivo sexual é construído sobre a associação entre a função bissexual feminina (que o autor denominou de ‘receptor do pênis’) com um conjunto de atributos desacreditadores e outros. Entretanto, o autor relata que ‘estigma’ se relaciona mais como um papel existente do que como atributos desacreditadores.
Como citado nos parágrafos anteriores, principalmente no que tange o passivo sexual, na instituição homossexualidade existe uma série de estereótipos e crenças que são aparentemente rígidas, inflexíveis e naturalizadas. A partir dessa visão, podemos dizer que isso ocorre como se todos homossexuais devessem ter muitos papéis em comum, não sendo a relação com um outro homem ou com uma outra mulher suficiente para designar sua homossexualidade. O que determina ser ou não homossexual vai além da relação física, muito além da relação sexual. Pode-se deixar uma questão para refletir. O que é ser homossexual? É praticar relações homoeróticas ou se auto-afirmar homossexual, e assumir essa identidade?
Papéis sociais de gênero relacionam-se com o conjunto de comportamentos associados à masculinidade e feminilidade. Desta maneira, a idéia da homossexualidade refere-se não apenas a uma condição, mas sim á um papel social.


terça-feira, 16 de dezembro de 2014

Comissão da Verdade: homossexuais, travestis e transexuais foram especialmente perseguidos durante a ditadura





Homossexuais, travestis e transexuais foram perseguidos e alvo de violações de direitos humanos durante a ditadura militar no Brasil (1964-1985), não apenas pelas forças policiais e militares como também pelos grupos militantes de esquerda, de acordo com relatório divulgado nesta quarta-feira (10) pela Comissão Nacional da Verdade, que dedicou uma seção à parte para os abusos cometidos contra essas minorias, assim como aos índios.

http://www.brasilpost.com.br/

Paras os militares, os homossexuais eram vistos como uma ameaça à moral e aos bons costumes, opinião compartilhada por grande parte da sociedade extremamente conservadora da época, e até mesmo subversivo. Já para os militantes de esquerda, a homossexualidade era um "vício pequeno burguês".
Entre as violações descritas no relatório, disponível no site da CNV, estão rondas sistemáticas para ameaçar e prender travestis, gays e lésbicas: pelo menos 1.500 pessoas foram presas apenas na cidade de São Paulo, numa verdadeira prática de higienização. Na prisão, em especial os travestis eram torturados, espancados e alvo de extorsões.
Também há registros de afastamento de servidores públicos homossexuais, como o ocorrido no Itamaraty (Ministério das Relações Exteriores em 1969), censura a veículos de comunicação gays (como o jornal Lampião) e a jornais e revistas da grande imprensa quando tratavam do tema da homossexualidade. Por fim, os ainda embrionários movimentos de gays e lésbicas foram perseguidos nos anos 70.
Segundo o pesquisador Renan Quinalha, que auxiliou a Comissão da Verdade nesta parte da investigação, a homofobia foi uma "política de Estado" durante os anos de chumbo.
"Dada a natureza e o grau dessa perseguição, seja por atuação ou omissão do Estado, e levando em conta o preconceito e a discriminação com uma dimensão institucionalizada, é possível afirmar que a homofobia foi, sim, uma política de Estado durante a ditadura", diz.
Para o coordenador da Comissão Nacional da Verdade, Pedro Dallari,"homossexuais presos acabavam sofrendo mais. Na visão do regime isto era um agravante."
Para saber mais sobre a perseguição a homossexuais, travestis e transexuais durante o regime militar, leia reportagem da BBC Brasil.

segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

Vale tudo: Homossexualidade na antiguidade





Na Antiguidade, ninguém saía dizendo por aí que fulano era gay, mesmo que fosse. Por milhares de anos, o amor entre iguais era tão comum que não existia nem o conceito de homossexualidade

Humberto Rodrigues e Cláudia de Castro Lima
http://guiadoestudante.abril.com.br/

A união civil entre pessoas do mesmo sexo pode parecer algo bastante recente, coisa de gente moderna. Apenas em 1989 a Dinamarca abraçou a causa – foi o primeiro país a fazer isso. Hoje, o casamento gay está amparado na lei de 21 nações. Essa marcha, porém, de nova não tem nada. Sua história retoma um tempo em que não havia necessidade de distinguir o relacionamento entre pessoas do mesmo sexo – para os povos antigos, o conceito de homossexualidade simplesmente não existia.
As tribos das ilhas de Nova Guiné, Fiji e Salomão, no oceano Pacífico, cerca de 10 mil anos atrás já exercitavam algumas formas de homossexualidade ritual. Os melanésios acreditavam que o conhecimento sagrado só poderia ser transmitido por meio do coito entre duplas do mesmo sexo. No rito, um homem travestido representava um espírito dotado de grande alegria – e seus trejeitos não eram muito diferentes dos de um show de drag queens atual.
Um dos mais antigos e importantes conjuntos de leis do mundo, elaborado pelo imperador Hammurabi na antiga Mesopotâmia em cerca de 1750 a.C., contém alguns privilégios que deveriam ser dados aos prostitutos e às prostitutas que participavam dos cultos religiosos. Eles eram sagrados e tinham relações com os homens devotos dentro dos templos da Mesopotâmia, Fenícia, Egito, Sicília e Índia, entre outros lugares. Herdeiras do Código de Hammurabi, as leis hititas chegam a reconhecer uniões entre pessoas do mesmo sexo. E olha que isso foi há mais de 3 mil anos.
Na Grécia e na Roma da Antiguidade, era absolutamente normal um homem mais velho ter relações sexuais com um mais jovem. O filósofo grego Sócrates (469-399), adepto do amor homossexual, pregava que o coito anal era a melhor forma de inspiração – e o sexo heterossexual, por sua vez, servia apenas para procriar. Para a educação dos jovens atenienses, esperava-se que os adolescentes aceitassem a amizade e os laços de amor com homens mais velhos, para absorver suas virtudes e seus conhecimentos de filosofia. Após os 12 anos, desde que o garoto concordasse, transformava-se em um parceiro passivo até por volta dos 18 anos, com a aprovação de sua família. Normalmente, aos 25 tornava-se um homem – e aí esperava-se que assumisse o papel ativo.
Entre os romanos, os ideais amorosos eram equivalentes aos dos gregos. A pederastia (relação entre um homem adulto e um rapaz mais jovem) era encarada como um sentimento puro. No entanto, se a ordem fosse subvertida e um homem mais velho mantivesse relações sexuais com outro, estava estabelecida sua desgraça – os adultos passivos eram encarados com desprezo por toda a sociedade, a ponto de o sujeito ser impedido de exercer cargos públicos.
Boa parte do modo como os povos da Antiguidade encaravam o amor entre pessoas do mesmo sexo pode ser explicada – ou, ao menos, entendida – se levarmos em conta suas crenças. Na mitologia grega, romana ou entre os deuses hindus e babilônios, por exemplo, a homossexualidade existia. Muitos deuses antigos não têm sexo definido. Alguns, como o popularíssimo hindu Ganesh, da fortuna, teriam até mesmo nascido de uma relação entre duas divindades femininas. Não é nada difícil perceber que, na Antiguidade, o sexo não tinha como objetivo exclusivo a procriação. Isso começou a mudar, porém, com o advento do cristianismo.
Sexo para procriar
O judaísmo já pregava que as relações sexuais tinham como único fim a máxima exigida por Deus: “Crescei e multiplicai-vos”. Até o início do século 4, essa idéia, porém, ficou restrita à comunidade judaica e aos poucos cristãos que existiam. Nessa época, o imperador romano Constantino converteu-se à fé cristã – e, na seqüência, o cristianismo tornou-se obrigatório no maior império do mundo. Como o sexo passou a ser encarado apenas como forma de gerar filhos, a homossexualidade virou algo antinatural. Data de 390, do reinado de Teodósio, o Grande, o primeiro registro de um castigo corporal aplicado em gays.
O primeiro texto de lei proibindo sem reservas a homossexualidade foi promulgado mais tarde, em 533, pelo imperador cristão Justiniano. Ele vinculou todas as relações homossexuais ao adultério – para o qual se previa a pena de morte. Mais tarde, em 538 e 544, outras leis obrigavam os homossexuais a arrepender-se de seus pecados e fazer penitência. O nascimento e a expansão do islamismo, a partir do século 7, junto com a força cristã, reforçaram a teoria do sexo para procriação.
Durante muito tempo, até meados do século 14, no entanto, embora a fé condenasse os prazeres da carne, na prática os costumes permaneciam os mesmos. A Igreja viu-se, a partir daí, diante de uma série de crises. Os católicos assistiram horrorizados à conversão ao protestantismo de diversas pessoas após a Reforma de Lutero. E, com o humanismo renascentista, os valores clássicos – e, assim, o gosto dos antigos pela forma masculina – voltaram à tona. Pintores, escritores, dramaturgos e poetas celebravam o amor entre homens. Além disso, entre a nobreza, que costumava ditar moda, a homossexualidade sempre correu solta. E, o mais importante, sem censura alguma – ficaram notórios os casos homossexuais de monarcas como o inglês Ricardo Coração de Leão (1157-1199).
No curto intervalo entre 1347 e 1351, a peste negra assolou a Europa e matou 25 milhões de pessoas. Como ninguém sabia a causa da doença, a especulação ultrapassava os limites da saúde pública e alcançava os costumes. O “pecado” em que viviam os homens passou a ser apontado como a causa dela e de diversas outras catástrofes, como fomes e guerras. Judeus, hereges e sodomitas tornaram-se a causa dos males da sociedade. Não havia outra solução a não ser a erradicação desses grupos. Medidas enérgicas foram tomadas. Em Florença, por exemplo, a sodomia foi proibida em 1432, com a criação dos Ufficiali di Notte (agentes da noite). O resultado? Setenta anos de perseguição aos homens que mantinham relações com outros. Entre 1432 e 1502, mais de 17 mil foram incriminados e 3 mil condenados por sodomia, numa população de 40 mil habitantes.
Leis duras foram estabelecidas em vários outros países europeus. Na Inglaterra, o século 19 começou com o enforcamento de vários cidadãos acusados de sodomia. E, entre 1800 e 1834, 80 homens foram mortos. Apenas em 1861 o país aboliu a pena de morte para os atos de sodomia, substituindo-a por uma pena de dez anos de trabalhos forçados.
Ciência maluca
Outro tratamento nada usual foi destinado tanto à homossexualidade quanto à ninfomania feminina: a lobotomia. Desenvolvida pelo neurocirurgião português António Egas Moniz, que chegou a ganhar o prêmio Nobel de Medicina de 1949 por isso, ela consistia em uma técnica cirúrgica que cortava um pedaço do cérebro dos doentes psiquiátricos, mais precisamente nervos do córtex pré-frontal. Na Suécia, 3 mil gays foram lobotomizados. Na Dinamarca, 3500 – a última cirurgia foi em 1981. Nos Estados Unidos, cidadãos portadores de “disfunções sexuais” lobotomizados chegaram às dezenas de milhares. O tratamento médico era empregado porque a homossexualidade passou a ser vista como uma doença, uma espécie de defeito genético.
A preocupação científica com os gays começou no século 19. A expressão “homossexual” foi criada em 1848, pelo psicólogo alemão Karoly Maria Benkert. Sua definição para o termo: “Além do impulso sexual normal dos homens e das mulheres, a natureza, do seu modo soberano, dotou à nascença certos indivíduos masculinos e femininos do impulso homossexual(...). Esse impulso cria de antemão uma aversão direta ao sexo oposto”. Em 1897, o inglês Havelock Ellis publicou o primeiro livro médico sobre homossexualismo em inglês, Sexual Inversion (“Inversão sexual”, inédito no Brasil). Como muitos da época, ele defendia a idéia de que a homossexualidade era congênita e hereditária. A opinião científica, médica e psiquiátrica vigente era de que a homossexualidade era uma doença resultante de anormalidade genética associada a problemas mentais na família. A teoria, junto das idéias emergentes sobre pureza racial e eugenismo nos anos 1930, torna fácil entender por que a lobotomia foi indicada para os homossexuais.
A situação só começou a mudar no fim do século passado, quando a discussão passou a se libertar de estigmas. Em 1979, a Associação Americana de Psiquiatria finalmente tirou a homossexualidade de sua lista oficial de doenças mentais. Na mesma época, o advento da aids teve um resultado ambíguo para os homossexuais. Embora tenha ressuscitado o preconceito, já que a doença foi associada aos gays a princípio, também fez com que muitos deles viessem à tona, sem medo de mostrar a cara, para reivindicar seus direitos. Durante os anos 80 e 90, a maioria dos países desenvolvidos descriminalizou a homossexualidade e proibiu a discriminação contra gays e lésbicas. Em 2004, o Supremo Tribunal dos Estados Unidos invalidou todas as leis estaduais que ainda proibiam a sodomia.
“Em toda a história e em todo o mundo a homossexualidade tem sido um componente da vida humana”, escreveu William Naphy, diretor do colégio de Teologia, História e Filosofia da Universidade de Aberdeen, Reino Unido, em Born to Be Gay – História da Homossexualidade. “Nesse sentido, não pode ser considerada antinatural ou anormal. Não há dúvida de que a homossexualidade é e sempre foi menos comum do que a heterossexualidade. No entanto, a homossexualidade é claramente uma característica muito real da espécie humana.” Para muitos, ainda hoje sair do armário continua sendo uma questão de tempo. As portas, no entanto, vêm sendo abertas desde a Antiguidade.