O
rapaz chorava enquanto era açoitado no tribunal. O açoite do oficial de justiça
o atingiu 20 vezes, e, quando terminou, as costas e os lados do tórax do jovem
estavam cobertos de hematomas.
Por ADAM NOSSITER
Mesmo
assim, a multidão do lado de fora estava desapontada, lembrou o juiz. Pela lei
islâmica local, a penalidade prevista para quem pratica o sexo gay é a morte
por apedrejamento.
“Ele
deveria ser morto”, declarou o juiz, Nuhu Idris Mohammed, elogiando sua própria
leniência no dia do julgamento, realizado num tribunal de sharia em Bauchi.
O
clima é intolerante nesta metrópole do norte da Nigéria, onde nove outros
acusados pela polícia islâmica de serem gays estão presos. Moradores e
autoridades disseram que, recentemente, garrafas e pedras choveram sobre os
acusados. Alguns membros da turba queriam até atear fogo ao tribunal, disseram
testemunhas.
Desde
janeiro, quando o presidente nigeriano, Goodluck Jonathan, sancionou uma lei
que criminaliza a homossexualidade, as detenções de gays se multiplicaram, as
pessoas que defendem homossexuais foram forçadas a se esconder, algumas pessoas
que temem a lei tiveram que buscar asilo no exterior e se multiplicaram na
mídia os pedidos de mais repressão aos homossexuais.
O
sexo gay é ilegal na Nigéria desde o governo colonial britânico, mas as
condenações eram raras no sul do país e apenas ocasionais no norte muçulmano.
A
nova lei proíbe o casamento entre pessoas do mesmo sexo e prevê pena de dez
anos de prisão para pessoas que “direta ou indiretamente” “exibam publicamente”
seus relacionamentos com pessoas do mesmo sexo. Ela também pune qualquer pessoa
que frequente ou apoie clubes e grupos gays.
“Esta
lei draconiana agrava uma situação que já era péssima”, comentou Navi Pillay,
alta comissária das Nações Unidas para os direitos humanos. “Supostamente ela
proíbe as cerimônias de casamento entre pessoas do mesmo sexo, mas na prática
faz muito mais que isso. Poucas vezes vi uma legislação que, em tão poucos
parágrafos, viola diretamente tantos direitos humanos básicos e universais.”
De
acordo com a Anistia Internacional, a homossexualidade é ilegal em 38 dos 54
países africanos, sendo passível de pena de morte na Mauritânia, na Somália e
no Sudão, além de no norte da Nigéria, regida pela sharia. O presidente de
Uganda se negou a assinar uma lei que previa a pena de morte para gays
recentemente, mas qualificou os homossexuais de doentes. No Senegal, onde a
imprensa regularmente expõe gays, arrancando-os do armário, as relações sexuais
com pessoas do mesmo sexo são passíveis de cinco anos de prisão.
A
proibição nacional imposta por Goodluck Jonathan redobrou a discriminação
contra gays na Nigéria e em outros países, segundo autoridades e moradores de
Bauchi, onde a lei sharia prevalece e os policiais da Hisbah, ou polícia
islâmica, saem à procura de coisas vistas como imorais. “Isso reacendeu o
interesse das comunidades no ‘saneamento moral’”, comentou Dorothy Aken’Ova,
diretora-executiva do Centro Internacional nigeriano de Saúde Reprodutiva e
Direitos Sexuais.
Autoridades
de Bauchi dizem que querem localizar, prender e punir os gays. Advogados locais
relutam em defender clientes gays. A liberdade sob fiança foi rejeitada para
gays que já estão detidos, “pois é do interesse dos réus”, disse o
promotor-chefe, Dawood Mohammed.
Nas
ruas, cidadãos furiosos se dizem preparados para fazer justiça com as próprias
mãos.
Reclamando
da dificuldade de distinguir pessoas gays das outras, Mohammed Tata,
funcionário sênior da comissão da sharia aqui, que controla a Hisbah, comentou:
“Eles não fazem as coisas abertamente. Depois de ver um ou dois deles você
percebe como eles falam e como se vestem. Aí, quem sabe, pode ter motivos
razoáveis para suspeitar de pessoas.”
Tata
disse: “Recebemos informações de fontes interessadas em ver a sociedade
purificada”.
A
única fonte de apoio local dos detentos vem de dois ativistas gays que entram e
saem da área, sem ousarem passar a noite. “Quando nos viram, eles começaram a
chorar e nos imploraram para tirá-los daquele lugar”, disse um dos ativistas,
Tahir, 26, depois de retornar da prisão, onde ele e seu amigo Bala, 29, tinham
ido para levar comida aos detentos. Temendo ser processados, os dois ativistas
disseram que eram parentes dos presos.
A
maioria dos presos gays foi abandonada por suas famílias, disse Tahir,
recusando-se a dar seu sobrenome por medo de represálias. Eles são na maioria
homens jovens, ele falou, “jovens trabalhadores”.
Um
dos presos é diretor de escola, casado, com oito filhos.
O
rapaz que foi açoitado agora vive escondido.
Autoridades
e ativistas nigerianos concordam que a nova lei incentivou o sentimento antigay
do país, incentivando promotores e também cidadãos comuns a realizar ações
discriminatórias.
A
ministra interina do Exterior, Viola Onwuliri, elogiou a nova lei, dizendo que
ela é a “democracia em ação” e sugerindo que os críticos ocidentais são
hipócritas por promover a democracia e depois reclamar de uma lei que o povo
nigeriano apoia.
Uma
pesquisa do Pew Research Center no ano passado constatou que 98% dos nigerianos
acham que a sociedade não deve aceitar a homossexualidade.
Imagem:
Alguns homossexuais nigerianos procuraram asilo no exterior devido à repressão;
tribunal de Bauchi, onde jovem foi açoitado
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