Muitas das 54 nações do continente mantêm leis
específicas para punir este segmento da população por sua orientação sexual
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RIO
- Enquanto a igualdade de direitos para homossexuais avança a passos largos na
Europa e nas Américas — já são 17 os países que permitem o casamento de
parceiros do mesmo sexo —, na África, o movimento é inverso. Muitas das 54
nações do continente não só mantêm leis específicas para punir este segmento da
população por sua orientação sexual, como buscam novo respaldo legal para uma
repressão ainda mais dura. A mistura de populações majoritariamente
conservadoras, oportunismo político e extremismo religioso provoca uma escalada
de ódio com consequências graves para uma minoria que, mesmo perseguida, não
desiste de se fazer ouvir.
Os
dois exemplos mais recentes são Nigéria e Uganda, países que já impunham
limites aos direitos LGBT (lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros), mas
aprovaram novas leis ainda mais restritivas. Na Nigéria, o presidente Goodluck
Jonathan sancionou em janeiro a proibição do casamento gay, da defesa dos
direitos LGBT e da “propaganda de relacionamentos homossexuais”. No mês
anterior, o Parlamento de Uganda aprovou a punição a homossexuais com prisão perpétua,
e o presidente Yoweri Museveni — para quem ser gay é uma “anormalidade” —
prometeu assinar o texto.
Mas
estes são apenas dois de 38 países africanos no quais não ser heterossexual dá
cadeia. Em quatro deles, é crime passível de pena de morte: Mauritânia,
Somália, Sudão e a própria Nigéria (apenas nos estados do Norte, onde vigora
uma rígida interpretação da sharia, a lei islâmica). Em Camarões e Quênia,
registros de prisões, espancamentos e mortes de homossexuais são frequentes.
Na
visão de quem acompanha o tema, as investidas contra os cidadãos LGBT surgem
menos do preconceito e mais de manobras políticas com o objetivo de distrair a
população de problemas não resolvidos e assegurar a liderança frente a uma
maioria conservadora sobre a qual igrejas cristãs ganharam influência nos
últimos 20 anos.
—
Neste países, os líderes políticos estão sendo pressionados pela população, e
por isso recorrem a leis populistas — disse o escritor queniano Binyavanga
Wainaina, cuja saída do armário por meio de um texto no jornal “Guardian”, no
mês passado, rodou o mundo. — A Nigéria enfrenta uma crise energética e vai ter
eleições em 2015.
Neela
Ghoshal, pesquisadora sobre direitos LGBT da ONG Human Rights Watch (HRW), e a
diretora de comunicação da Comissão Internacional de Direitos Humanos de Gays e
Lésbicas (IGLHRC, na sigla em inglês), Roberta Sklar, também destacam o
elemento político como incentivador da repressão. Além disso, citam a
organização cada vez maior do segmento LGBT em países africanos na última
década e as consequentes reivindicações por igualdade de direitos como um
incômodo para populações e governos.
—
O público LGBT passou a exigir direitos em suas casas, nas ruas, no trabalho.
Quando as pessoas passam a exigir direitos, há uma reação negativa — opina
Roberta. — Não é só sobre homossexualidade, é sobre o uso do ódio para fins
políticos.
Fundamentalismo
importado
A
presença maciça de religiosos com discurso fundamentalista, principalmente
cristãos, também foi lembrada pelos entrevistados ouvidos pelo GLOBO. Segundo
Wainaina, a virada ocorreu entre os anos 1980 e 1990, quando missionários
vindos dos EUA passaram a atrair milhões de pessoas e, com elas, o interesse
dos políticos.
—
Apesar das leis, até essa época praticamente ninguém era preso por ser gay —
diz.
Neela
Ghoshal, da HRW, argumenta que esse movimento aumentou com o avanço da
igualdade de direitos no Ocidente.
—
Os religiosos fundamentalistas dos EUA perderam relevância no país com avanços
como a legalização do casamento gay — explica.
O
uso da homofobia como instrumento de dominação popular também tem efeitos
nefastos sobre a prevenção e o tratamento da Aids, e logo no continente que
concentra 70% dos diagnosticados com a doença no mundo, conta o diretor
executivo adjunto do Programa Conjunto da ONU sobre HIV/Aids (Unaids, na sigla
em inglês), Luiz Loures. Ele lembra que a homofobia tem aparecido como
tendência também em países da Ásia e do Leste Europeu. Consciente das
dificuldades de reversão do panorama, ele aposta no diálogo.
—
Estamos nos preparando para um desafio de longo prazo e adotando novas
estratégias. Por exemplo, estamos trabalhando com as comissões nacionais de
direitos humanos e com parlamentares. — explica Loures. — É necessário investir
em setores que influenciam o comportamento da sociedade. É importante
sensibilizar os setores religiosos. Neste momento, os segmentos religiosos
extremistas estão à frente e apoiando leis que são contra a vida. Precisamos
urgentemente de vozes ativas que defendam a vida e a dignidade das pessoas.
Apesar
do momento difícil, há um certo sentimento de otimismo: Loures cita a vibrante
sociedade civil nigeriana, e Neela Ghoshal conta que os gays de Uganda se
articulam com movimentos LGBT de outros países. Para Roberta Sklar, países de
leis homofóbicas serão pressionados se tiverem que assinar acordos comerciais
com nações ocidentais. E Wainaina lembra que a população ainda pode ser
majoritariamente conservadora, mas os muitos jovens africanos, com o
combustível do acesso fácil à internet móvel após anos de democracia e
crescimento econômico — apesar de desigual — têm mais expectativas de
liberdades que seus pais. Para ele, o debate tem implicações que vão além da
causa LGBT.
—
São tempos de mudanças rápidas. Isso ameaça o establishment político.
Imagem:
Homem de Uganda cobre rosto para proteger identidade em parada gay em Boston:
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