Cercada por países avessos aos direitos gays, a África
do Sul tornou-se o refúgio para muitos homossexuais africanos. Com uma
Constituição que reconhece o casamento gay, pune a discriminação e protege o
direito dos refugiados, o país é o destino mais procurado pelos chamados
"asilados sexuais" do continente. Mas apesar da legislação liberal,
os gays ainda sofrem com episíodios de homofobia e com o preconceito contra
imigrantes no país.
http://www.bbc.co.uk/portuguese
Segundo a agência da ONU para refugiados (Acnur), a
África do Sul tornou-se o principal destino dos "asilados sexuais" do
continente. Só em 2013, a África do Sul recebeu mais de 290 mil refugiados, boa
parte deles homossexuais, o que fez do país o líder em pedidos de asilo e
refúgio pelo quarto ano consecutivo, segund a Acnur.
O cerco a homossexuais em países como Nigéria e Uganda
faz com que muitos imigrantes busquem refúgio na "legislação
progressista" sul-africana.
Em documento oficial do Departamento de Assuntos
Internos sul-africano, o diretor-geral Mkuseli Apleni diz que as 72 entradas
por terra ajudam a explicar porque o país entrou na rota de fuga de quem foge
da homofobia no continente.
Na prática, porém, a perseguição e as dificuldades
vividas por esses "asilados sexuais" não necessariamente acabam
quando eles chegam à nação de Nelson Mandela.
"Existe uma desconexão com a forma que o país se
porta internacionalmente e o modo como os refugiados sexuais são tratados
aqui", afirma Yellavarne Moodley, pesquisador da Unidade dos Direitos de
Refugiados da Universidade da Cidade do Cabo (UCT, na sigla em inglês).
Segundo o estudo, a burocracia para receber o status
de asilo e preconceito por parte dos sul-africanos estão entre alguns dos
problemas enfrentados.
Criminalização da homossexualidade
Para Moodley, o número de asilados no país deve se
tornar ainda maior nos próximos anos devido à criminalização da
homossexualidade que vem se tornando cada vez mais comum no continente. Somente
neste ano, duas nações entraram para a lista dos países onde ser gay é
proibido.
Em janeiro, a Nigéria aprovou uma legislação que torna
o relacionamento gay um crime severo que prevê uma sentença de 14 anos atrás
das grades. Em março, o presidente da Uganda, Yoweri Museveni, decidiu punir
com prisão perpétua quem tem relações com pessoas de mesmo sexo.
De acordo com informações da Anistia Internacional,
relações gays são consideradas crime em 38 das 54 nações africanas.
Desemprego e preconceito
Apesar de ser sinônimo de esperança para homossexuais
ao redor da África, o país sul-africano possui uma realidade um pouco mais
amarga do que as aparências levam a acreditar.
O advogado Guillain Koko, que oferece apoio e
consultoria para refugiados gays na Cidade do Cabo, afirma que a Constituição
liberal e inclusiva nem sempre reflete o comportamento da população.
"Eles (refugiados) sofrem preconceito, são alvos
de ataques xenofóbicos e muitas vezes não encontram emprego", acusa quem
afirma ter recebido em seu escritório pelo menos cem pessoas somente no ano
passado.
Segundo pesquisa realizada pela organização Passop
(Pessoas contra o Sofrimento, a Opressão e a Pobreza), 90% dos refugiados
sexuais não conseguem encontrar emprego fixo no país. O relatório indica que a
principal razão é discriminação e 51% dos entrevistados relatou que a falta de
documentação também dificulta a procura por trabalho. "Muitos aguardam o
status de asilado há mais de quatro anos", reclama Koko.
Em depoimento oficial, o Departamento de Assuntos
Internos da África do Sul afirmou estar revendo seus procedimentos e tomando
medidas para processar os pedidos de asilo de forma mais "eficiente e
justa".
A ministra do Departamento de Assuntos Internos
Nalendi Pandor aposta em parcerias com organizações internacionais, incluindo o
ACNUR: "É importante para nós que os refugiados continuem a ver a África
do Sul como um país que respeita as diferenças e representa esperança para um
futuro melhor".
A realidade de quem foge
"Entre morte e prisão, viver com preconceito
acaba se tornando o menor dos males". É essa a visão de um refugiado
congolês quando questionado pela BBC Brasil sobre o porquê de ter escolhido a
África do Sul como refúgio. Marc Kadima acabou emprestando nome e rosto ao dilema
vivênciado por milhares de gays africanos.
Durante oito meses, o congolense de 25 anos enfrentou
chuva, fome e frio. Em busca de liberdade, Kadima percorreu o sul do continente
a pé e se escondeu em caminhões de carga até chegar a terras sul-africanas.
"Eu sabia que iria morrer se continuasse no Congo", conta ele, que
foi perseguido pelos próprios amigos e familiares. "Um grupo de conhecidos
me levou para a rua e o espancamento começou. Consegui correr e fugi sem olhar
para trás", relembra.
Apesar das dificuldades de adaptação que experimentou
na África do Sul, onde vive há cinco anos, Kadima é grato pelo país que o
recebeu. "Ainda existe homofobia no país e eu sofra por isso, eu não corro
mais o risco de ser preso ou assassinado só por ser gay", diz.
Tiwonge
Chimbalanga concorda. "Eu escuto insultos na rua, mas não estou mais
presa", comemora ela, que há cinco anos se encontrava atrás das grades. Em
2009, o governo do Malauí condenou a transexual a 14 anos de prisão e trabalho
forçado como punição por ter realizado uma festa tradicional de noivado com um
homem.
Depois
de quase um ano encarcerada, onde afirma ter sofrido torturas físicas e
humilhações diárias, a transexual de 24 anos foi libertada pelas as autoridades
do Malauí, que acabaram cedendo à pressão da comunidade internacional.
"Aproveitei a atenção da mídia e pedi asilo para a África do Sul pelo fato
de ser um país livre e próximo da minha aldeia natal. Eu sabia que se
continuasse no Malauí acabaria sendo morta", explica.
O
sofrimento de Tiwonge não é um caso isolado. Em relatório publicado em junho de
2013, a Anistia Internacional declara que ataques homofóbicos têm atingido
níveis perigosos na África e que as autoridades vêm adotando cada vez mais
novas leis para criminalizar a relação entre pessoas do mesmo sexo.
"Essa
abordagem passa a ideia 'tóxica' de que pessoas lésbicas, gays, bissexuais e
transexuais são criminosas", diz o documento da Anistia Internacional
titulado "Fazer do amor um crime".
Imagens:
África do Sul é vista como refúgio por homossexuais perseguidos em países
africanos.
Uganda
foi um dos países africanos que aprovou leis impondo penas duras contra gays
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